No final da década de 70, a Ditadura Militar demonstrava os primeiros indícios de desgaste. Era o começo da abertura política. Estudantes tomavam as ruas para exigir a anistia dos presos e exilados políticos. Os setores oprimidos da sociedade fortaleciam sua organização. Os ideais da contracultura norte-americana e da revolução sexual ganhavam mais espaço na sociedade.
Nesse contexto surge, em 1978, no eixo Rio-São Paulo, o jornal Lampião da Esquina. Ele tinha o objetivo de dar espaço à luta de minorias e centrou enfoque nos homossexuais. A ideia do periódico mensal surgiu por influência da revista norte-americana Gay Sunshine. Vários intelectuais e artístas reuniram-se para criar o periódico, destaca-se o conhecido escritor de novelas Aguinaldo Silva.
A edição experimental, chamada de edição zero, saiu em abril de 1978 e declarava:
“Lampião deixa bem claro o que vai orientar a sua luta: Nós nos empenharemos em desmoralizar esse conceito que alguns nos querem impor – que a nossa preferência sexual possa interferir negativamente em nossa atuação dentro do mundo que vivemos.”
A visão do jornal era de que os homossexuais eram iguais aos outros cidadãos, nem inferiores nem superiores e deveriam assumir posições e lutar. Ouçamos dois trechos:
“Informe-se, ache uma maneira de atuar no mundo em que vive, e deixe de ter pena de si mesmo. Se você não falar do seu problema, o seu problema não existe.”
“Infelizmente, a sociedade machista é dona do mundo. E esta situação não sofrerá mudança enquanto não partirmos para ação. Há um trabalho difícil, árduo a ser realizado por todos.”
O Lampião era caracterizado pelo sarcasmo, indignação e acidez na crítica à hipocrisia da sociedade e incitava a mobilização de seus leitores. O formato era de tabloide. Havia seção de cartas dos leitores, noticias e reportagens. A partir do número cinco, criaram a coluna “Bixórdia” que narrava situações cotidianas do contexto homossexual.
Os temas eram polêmicos como “igreja e homossexualidade”, “casamento gay”, além de “assuntos eróticos”. O Lampião também trazia entrevistas e informações culturais, como dicas ou críticas de filmes, livros, shows e exposições. A produção era feita pelos conselheiros e por colaboradores que podiam variar a cada edição.
Com o passar dos meses, o Lampião da Esquina foi mudando seu teor politizado e reivindicador, começou a ceder espaço para elementos mais comerciais, sua linguagem ficou mais apelativa e informal.
Ensaios sensuais de homens nus passaram a ser comum no jornal, sendo que em sua primeira edição o editorial afirmava: “Quanto às fotos de rapazes nus, não é o nosso gênero”. As matérias passaram a ser cada vez mais relacionadas a temas eróticos.
Bernardo Kucinski, em seu livro “Jornalistas e revolucionários”, afirmou: “Lampião da Esquina começou elegante e terminou pornográfico”.
O jornal somou 38 edições e mais 3 extras, e chegou ao fim em junho 1981 gerando um vazio ideológico na defesa pelos direitos dos homossexuais. Lampião da Esquina não era o único com esse caráter, mas era o mais significativo, tinha uma distribuição nacional com média de 20 mil exemplares.
Aos interessados: informamos que o centro de Documentação Professor Doutor Luiz Mott digitalizou todas as edições de Lampião da Esquina e as disponibilizou ao público no site www.grupodignidade.org.br.
Texto: Marina Fontanelli
Apresentação: Giovani Vieira e Jaqueline Casanova